Magistrados e servidores do Poder Judiciário da Bahia (PJBA) participaram, no dia 20 de maio, do curso de qualificação e atualização funcional para aplicação da Resolução CNJ nº 287/2019 no PJBA. Promovido pela Universidade Corporativa (Unicorp), o curso marcou o encerramento da ação de capacitação, iniciada com o webinário ocorrido em abril, destinada a atender à referida Resolução. A iniciativa buscou oferecer aos participantes competências quanto aos procedimentos para o tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade.
O conteúdo foi ministrado por Leandro Nunes, que atualmente é Procurador da República na Bahia (PRBA). Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com especialização em Direito Penal e Processo Penal, Nunes é ainda professor de cursos no Ministério Público da União (MPU), palestrante e articulista.
Acompanharam a aula, os magistrados Murilo Luiz Staut Barreto (1ª Vara Criminal da de Itabuna); Cíntia França Ribeiro (Vara de Jurisdição Plena de Caravelas); Tarcisia de Oliveira Fonseca Elias (Vara de Jurisdição Plena de Santa Cruz de Cabrália); além de expressivo número de Servidores, especialmente da região Sul da Bahia, onde existe maior concentração de população indígena do estado.
A Juíza Rita Ramos, Coordenadora-Geral da Unicorp, mediou as discussões, ouvindo atentamente as considerações dos cursistas, com vistas a encaminhar as demandas ao Diretor-Geral da Universidade, Desembargador Nilson Castelo Branco.
Na oportunidade, a Juíza Tarcisia Elias pontuou que tem encontrado dificuldade para cumprir a Resolução, uma vez que não dispõe da estrutura sugerida pelo normativo, especialmente no que tange ao acompanhamento especializado de antropólogos para a realização de perícias e esclarecimentos sobre os costumes dos indígenas submetidos à prisão.
Assessor do Juiz da Vara Criminal da Comarca de Ribeira do Pombal, Jucinaldo Lima Frazão também salientou a dificuldade enfrentada devido à ausência de equipe técnica especializada. Conforme relatou, na cidade de Banzaê, vinculada à sua Comarca, quase 100% da população é indígena, o que torna ainda mais evidente a necessidade e importância de se compreender o tratamento do indígena no âmbito criminal.
A preocupação é também compartilhada pelo Servidor Daniel Souza Santana, da Vara da Infância e Juventude de Itabuna. Apesar de ser possível ter acesso a antropólogos na localidade, Daniel afirmou que se preocupa com a dificuldade de cumprir o dispositivo da Resolução que estabelece o cumprimento de pena de semiliberdade perto da comunidade e órgão protetor, tendo em vista que, em muitos casos, os estabelecimentos prisionais não são próximos às comunidades indígenas, e não há alcance da FUNAI em muitas Comarcas.
Sobre a relação com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Juíza Tarcisia Elias contou já ter conversado com o Coordenador regional do órgão. Em contrapartida, a magistrada enfatizou a necessidade do auxílio pelo próprio PJBA, no sentido de disponibilizar, no quadro de servidores, uma equipe especializada para atender, ao menos, as Comarcas com número expressivo de população indígena.
A Titular da Vara de Jurisdição Plena de Santa Cruz de Cabrália destacou, ainda, a relevância da construção do diálogo com a população indígena para encontrar soluções que partam da própria comunidade, já que pela prática, de acordo com a magistrada, observa-se que Termos de Ajustamento de Condutas e determinações judiciais acabam não sendo cumpridas. Além disso, para a Juíza Tarcisia Elias, as populações indígenas se sentem violadas em sua cultura, quando a determinação vem de fora da comunidade.
Diante do cenário traçado, a realização do curso foi bastante elogiada pelos participantes, uma vez que, como afirmaram, possibilitou uma mudança de olhar acerca da população indígena, especialmente sobre a necessidade de verificar se a comunidade tem uma determinada forma de punir naquela situação, se já houve um julgamento, dentro dos seus costumes, pela própria comunidade indígena, dentre outras peculiaridades trazidas pela Resolução CNJ nº 287/2019.
Vale lembrar que o curso foi precedido do Webinário “Proteção da pessoa indígena no âmbito criminal – A Resolução 287 do CNJ e o papel do Judiciário na preservação da Cultura e Tradição dos povos indígenas”, realizado no dia 15 de abril.
Na ocasião, o Juiz Auxiliar da Presidência do CNJ Carlos Gustavo Vianna Direito, Pós-Doutor e Professor de Direito Romano e Introdução à Ciência do Direito da PUC/RJ, um dos responsáveis pela elaboração da Resolução CNJ nº 287 e um dos autores do Manual que acompanha o normativo, falou sobre a aplicação desse dispositivo legal. Já o Coordenador-Geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), Kahu Pataxó, abordou “o tratamento das pessoas indígenas privadas de liberdade”. O debate foi mediado pelo Juiz Convocado do TJBA, Ícaro Almeida Matos, que é mestre em Justiça e Cidadania pela UFBA.
A realização do curso, bem como do webinário, atende à própria Resolução CNJ nº 287/2019 e, ainda, à Recomendação nº 18/2020, do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Esta sugere a instituições, entidades e organizações medidas concernentes à ampla difusão, conhecimento e aplicação da Resolução CNJ nº 287/2019, explicitadas pelo Manual que a acompanha, atinente às normas de direito penal, processual penal e penitenciária aplicáveis a todos os indígenas e povos indígenas viventes e residentes no Brasil.
Além disso, esta ação educativa segue as diretrizes adotadas pela Unicorp, sob a direção-geral do Desembargador Nilson Castelo Branco, para a promoção de formações plurais, transversais e democráticas, na linha de orientação do Presidente do Judiciário baiano, Desembargador Lourival Almeida Trindade.
Fonte: Ascom