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Pilares da Argumentação Jurídica Contemporânea

Vivemos num mundo de argumentos. Em nosso cotidiano, observamos diversas situações em que os argumentos são decisivos para a tomada de decisões e, inclusive, para persuadir nossos interlocutores. Diariamente, os indivíduos travam relações em contextos argumentativos dos mais variados no tempo e no espaço, o que amplia e reforça as possibilidades e interações a se desenvolverem nas mais diversas situações da vida social. Na medida em que não mais se observam, no contexto contemporâneo, espaços produtores de verdades universais, ou que a própria ideia de verdade única também tem sido problematizada por diversos estudos ao longo do século XX e XXI, uma transformação tem se operado na vida dos indivíduos. Diante da derrocada da verdade no mundo contemporâneo, o argumento se apresenta como a principal forma de interação social nas diversas situações em que os indivíduos se encontram, recebendo adesão o argumento mais persuasivo.

A argumentação envolve diferentes variáveis que se relacionam em múltiplos contextos. A estratégia argumentativa, seja para o argumentador, seja para aquele que é alvo de persuasão, varia de acordo com a idade, sexo, situação social, gênero, história de vida, expectativas subjetivas, valores etc de ambos. Além disso, dependendo de qual contexto a argumentação se desenvolve – político, jurídico, econômico, social, cultural, religioso, biológico etc -, é possível observar a adoção de estratégias distintas, bem como de resultados esperados distintos.

No campo do direito, o debate sobre a argumentação também está presente. Diariamente, os juristas são chamados a lidar com contextos argumentativos de diálogo, e a definição de decisões no âmbito do direito pressupõe esse tipo de arranjo institucional. As decisões judiciais de grande repercussão econômica, a possibilidade de se abortar fetos anencéfalos, a fidelidade partidária, a utilização de embriões para pesquisa de células-tronco, a distribuição dos royalties do petróleo, e outros são temas discutidos amplamente no mundo do direito.

Curiosamente, apesar de estes temas serem discutidos no interior do campo do direito, não são exclusivamente jurídicos, pois englobam aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais, religiosos, biológicos etc. O direito não se reduz às leis com suas regras e princípios, assim como a argumentação jurídica não se reduz à mera argumentação sobre o direito, pois não se desenvolve exclusivamente por juristas.

Mas, em verdade, quais são os pilares da argumentação jurídica contemporânea? A argumentação jurídica se tornou um verdadeiro “lugar comum”, em que muito se disserta e se emitem opiniões, mas, de fato, pouco se reflete de forma rigorosa sobre seus pressupostos e desenvolvimento.

De fato, uma reflexão que se dedique ao tema da argumentação jurídica não pode olvidar de suas características internas. Daí a necessidade de delinear efetivamente o que quer dizer a argumentação, e em que medida ela influi, modifica e altera o campo do direito em sua interface com outros saberes e práticas. Deste modo, as características essenciais da argumentação jurídica são as seguintes: a) a incorporação de outros campos de saber; b) o conhecimento do outro e das circunstâncias; c) evitar pré-julgamentos e realizar justificativas razoáveis; d) organização racional de ideias e; e) persuasão. Conjugando estes elementos, é possível dizer que a argumentação jurídica contemporânea engloba aspectos que extrapolam o mundo do direito, implicando em um conhecimento sobre o outro o qual estará em interação com o interlocutor a partir de uma organização racional de ideias, com o objetivo de persuasão.

Isso complexifica ainda mais a atividade argumentativa, sobretudo porque tais elementos incidem, simultaneamente, ao longo da exposição do argumento e possuem variações significativas de tempo, espaço, contextos e sujeitos envolvidos. Por essa razão, é impossível estabelecer regras fixas ou passos “milagrosos” para o sucesso de uma argumentação. A atividade argumentativa é muito mais complexa e mais plural, o que exige do argumentador constantemente atenção, adequação e sensibilidade.Como não há argumentos perfeitos, todo recurso argumentativo que é utilizado possui desafios porque pressupõe um arranjo de diversos elementos. Daí a impossibilidade de ser propor um passo a passo para o alcance do argumento perfeito, uma vez que este é inalcançável num contexto de ausência de verdades universais. Em outras palavras, argumentar não é trivial, sobretudo no mundo do direito. A contingência, o imprevisto e a habilidade de pensar alternativas são questões que incidem em qualquer argumento. Por isso, é fundamental ao argumentador assumir-se como protagonista de seu próprio argumento, e não como um mero reprodutor de opiniões já existentes, sem qualquer senso crítico.Assim, exige-se que o argumentador potencialize seus atributos individuais em todo momento, e isto não é uma tarefa fácil. Existem atributos genéricos (postura crítica, interdisciplinaridade e capacidade analítica) e específicos (criatividade, paradigmas, auto-estima, comunicação etc), que, se desenvolvidos de forma apropriada, permitem a ampliação da possibilidade de sucesso no mundo do direito.

Porém, o desenvolvimento e potencialização desses atributos não garante o sucesso na argumentação. Para transitar no mundo do direito, é fundamental compreender as normas jurídicas que vigem em seu campo. Daí a necessidade de se compreender o que são regras e princípios, o que fazer no caso de conflito de normas, quais estratégias de negociação adotar e, ainda, quais as características do ordenamento jurídico brasileiro. É fundamental estabelecer uma reflexão sobre os conflitos e estratégias de negociação e consenso no direito, além de refletir os limites da hermenêutica jurídica para a argumentação. Da mesma forma, o conhecimento acerca das instituições jurídicas e a sua dinâmica de funcionamento é imprescindível. As instituições possuem lógicas próprias de funcionamento e pressupostos específicos de desenvolvimento. Portanto, ao argumentador cabe buscar aproximar-se e conhecer as instituições jurídicas no Brasil.

Antes de tudo, o argumentador deve buscar conhecer as falhas de seu próprio argumento, que, por definição, é sempre insuficiente. Deve buscar estabelecer seus próprios parâmetros e diretrizes de “trânsito” no mundo do direito, de modo a reforçar que, diante da existência inevitável de argumentos falhos, o bom argumentador deve adotar uma atitude crítica e protetora em relação a seu próprio argumento. Este bom argumentador ainda merece três palavras finais: reflita, critique e inove.

Felipe Dutra Asensi

Observações

A Universidade Corporativa do TJBA não se responsabiliza pelas opiniões emitidas pelos autores dos artigos, nem as endossa, pois elas não representam necessariamente o pensamento do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.